Sou a letra A
Última
Flor-do-Lácio, primeira a ver seus passos
Passeio, olhar no passo, teu seio alimento, embaraço
A bruxa na Inquisição, transportada à escravidão
A mucama a olhar pro chão, cruz, caravela, distorção
História mal contada, a roupa mal passada
Garganta amordaçada, carne estrangulada
Retalhada, calada, abafada, abusada, judiada, malvada, desejada, mal amada, mas
Eu sou aquela
Eu sou a fera
A trela, a outra, a cela
Índia, serra
Ásia, ilha, África, bela
Península, planície, praia, favela
Ela, Guarany, Tupy, Kaiwoá
À espera de quem nunca virá, nunca dirá, nunca amará
Areia, terra, água, mar, ar
Em falta, na boca de quem prova
Falta trova, rainha?
Eis aqui tua prova
A batalha é o meu canto
Enxugava o meu pranto
Embalava o meu sonho
Encantava o meu sono
A batalha é o meu canto
Enxugava o meu pranto
Embalava o meu sonho
Encantava o meu sono
Máscaras de azulejo escondem o desejo
Mamãe, não vejo no meio do cortejo rugas turvas, rua com defeito
Curva nua sinuosa, mas ainda é velado o preconceito
E que o ventre seja o espelho contrário a todo medo
Verdade-véu seja a sonoridade da sororidade
Vontade, signo da palavra igualdade
Florbela Espanca, Cora Coralina, Carolina de Jesus, Noêmia de Sousa
Alda Lara, Cecília Meireles, Filomena Embaló, Vimala Devi, Manoela Margarido
Sou sim, em si, em mim, em ti!
Sou todas as mulheres que li, ouvi, senti!
Sou cria das entranhas, filhas, irmãs
Rara rima, bandeira, poesia, novas manhãs!
Que o ventre seja o espelho contrário a todo medo
Embalava o meu sonho
Encantava o meu sono
Que o ventre seja o espelho contrário a todo medo
Embalava o meu sonho
Encantava o meu sono
A todo medo, a todo medo, a todo medo, contrário a todo medo
A todo medo, a todo medo, a todo medo, a todo medo, a todo medo