Sou criolo desta terra
Da mesma terra dos ventos
Da mesma tira de tento
Que o índio atava na crina
Da mesma luz da retina
Do tempo do rastreador
Do canto do pajador
Silêncio, Lua e viguela
Na voz da cruz bolheadeira
O gaucho olhar bolheador
Sou crioulo destas noites
Das mesmas noites de Lua
Minguantes almas charruas
Crescentes formas de estrelas
Alguma d'alva sinuela
Que retornou madrugada
Na trança sendo enredada
Da própria flor na tropilha
Que volta ao véu da coxilha
Num potro de boca atada
Sou crioulo deste barro
Do mesmo barro das dores
Que nascem nos corredores
Nos ranchos de santa fé
Na forma da própria fé
De quem foi terra inteiro
Também foi sangue guerreiro
Na mesma cor da esperança
E antes de erguer a lança
Colhia flores primeiro
Sou crioulo dos caminhos
Mesmo caminhos dos tantos
Que tinham voz, tinham canto
Na paz do aboio tropeiro
Na andar de algum carreteiro
Na roda que gira lenta
Destino, a tropa, a marreta
O fogo, o poso e a ronda
O toldo, a Lua redonda
Um céu de cor e a carreta
Sou criolo destes campos
Dos campos da geografia
Da pedra cruz a poesia
Feitos de vento e de pasto
Que nos repetem nos passos
Que nos copiam no chão
Que entendem mais que a razão
De atar serenos e esporas
E ouvir o idioma das horas
Com par de rédeas na mão
Sou crioulo deste canto
Do mesmo canto esquecido
Entre a ilusão e o ouvido
Que o novo tempo condena
A reviver num poema
Outro verso que virá
Mesmo cansado de andar
Chamando o rastro dos outros
Com vinte a botas de potro
Nazarena e chiripá
Sou crioulo deste barro
Sou crioulo desta terra
Da noite, vida que encerra
O mais crioulo caminho
Da flor, da lança, do espinho
Do verso à ronda e o fogo
A crina, a tira de couro
O tempo, o pasto e o inverso
Do tempo escrito nos versos
Que me fizeram crioulo
Sou crioulo dos caminhos
Mesmo caminhos dos tantos
Que me fizeram crioulo