(Nas confusas redes do seu pensamento
prendem-se obscuras medusas)
Ela é medusa
A vítima que toda a gente acusa
E de quem a vida abusa
Ela é Medusa e recua e recusa
E resiste, ele insiste e arranca-lhe a blusa e usa-a
Escusa, ela acua, sozinha na rua
Seminua
Semi-sua
Semi-morta!
Porque mais ninguém se importa!
Ela é Medusa
O corpo pra que toda a gente aponta
Que posta, não gosta
faz troça, desmonta
Comenta, ali exposta na montra
De fita métrica pronta
Examina-se a carne
E critica-se a? coisa?
O resto não conta
É uma sombra
(Uma medusa em vez de coração)
Por cada vítima acusada
E transformada em monstro
Em cada casa, cada caso
Cada cara e cada corpo
Em mais um dedo apontado ao outro
Cresce a ira da Medusa que me vês no rosto
(Valete)
Em cima da ponte está a tua irmã desaparecida
em interação com aqueles instintos suicidas
abatida na depressão duma história nunca esquecida
vencida por um trauma de uma violação aos 15
Em cima da ponte está a mulher que bombardeiam
Por usar a liberdade sexual tão proclamada
Degolada por tantas ofensas que vocês fraseiam
Exterminada pelo nojo daqueles que a rodeiam
Em cima da ponte está Maria Conceição
Vítima de uma relação e de um amor tirano
Marcada pela opressão e traumatismos cranianos
Golpeada por quase 20 anos de agressão doméstica
Em cima da ponte está a tua vizinha acanhada
Há muito aniquilada por esperanças que se esfumam
Há muito rebaixada por vexames que se avolumam
Embaraçada pelo próprio corpo que todos repugnam
Em cima da ponte
(Nas confusas redes do seu pensamento
prendem-se obscuras medusas)
Por cada vítima acusada
E transformada em monstro
Em cada casa, cada caso
cada cara e cada corpo
em mais um dedo apontado ao outro
Cresce a ira da Medusa que me vês no rosto
Ela é Medusa
A miúda de que toda a gente fala
Na rua, na sala de aula, e à baila
Vem ela, a cadela, a perdida, sem trela
Vadia, cautela com ela
Que é livre, e vive
A vida dela
Como se atreve?
Aquela
Ela é Medusa
Aquela de que mais ninguém tem pena
Que apanha, sem queixa, que deixa e aguenta
Aquela que pensa que o amor é pra sempre
E na crença, sofre em silêncio
Só
Completamente só
Esconde a nódoa negra com o pó
Por cada vítima acusada
E transformada em monstro
Em cada casa, cada caso
cada cara e cada corpo
em mais um dedo apontado ao outro
Cresce a ira da Medusa que me vês no rosto
É a minha ira, a nossa ira, a ira
A minha ira, a nossa ira, a ira
É a minha ira, a nossa ira, a ira
(Uma medusa em vez de coração)
A minha ira, a nossa ira, a ira
(Uma medusa em vez de coração)