A VOZ DO PAI
Odilon Ramos
O pai, em casa, era uma autoridade.
Dizia o que podia e o que não podia.
Determinava o certo e o errado.
A voz do pai era uma voz sagrada.
Grave, pausada para dar conselho.
Firme e bem forte pra passar as ordens.
A voz do pai sabia contar causos...
Causos que ouvira seu pai contar.
Era uma vez... e lá vinha uma história...
com bichos que falavam, gente que voava,
magos poderosos e casas assombradas.
E a gente, tão criança e inocente,
galopava na garupa da imaginação.
Quanta emoção a voz do pai nos transmitia.
À mesa, hora da janta, ninguém se servia
antes de ouvir o pai, rendendo graças.
E a família, reverente, olhos fechados,
ao fim arrematava num... amém.
E os versinhos que o pai dizia.
Ninguém sabia tantos quanto ele;
"Eu sabia tanto verso,
Eu sabia um sacho cheio,
As formigas me bateram,
Me deixaram pelo meio".
E às vezes... às vezes o pai cantava.
E o pai cantando era a cantiga mais linda que eu ouvi....
Modinhas, hinos, ternos "oilarai"... e a filharada fazia coro.
E cada um com sua voz queria imitar a voz do pai.
A voz do pai tocava os bois na canga:
Barroso!... cola branca!... êra boi!...
E chamava o cavalo no potreiro: "ô, ô, ô, ô".
E atiçava o cachorro nos gambás:
"fiu, fiu, fiu, fiu", pega, pega, pega...
E os bichos (até os bichos)
Conheciam e obedeciam aquela voz...
A voz do pai tinha hora pra tudo.
Pra dar uma risada de um causo bem contado.
Ou pra ralhar se a gente desleixava...
Barbaridade...
Quando aquela voz trovejava uma ameaça,
Fazia a gente estremecer de medo.
Talvez fosse melhor dizer: respeito.
A voz do pai só nunca soube se queixar de nada.
Gemer até podia, se a dor era muita.
Chorar, se permitia, pelo sentimento.
Mas um queixume, uma lamúria ou maldição,
Isso jamais se ouviu da voz do pai.
"A la pucha"...
Parece que foi ontem...
É tão viva a lembrança,
Que parece que ainda ouço tua voz,
Meu velho...
E às vezes, quando falo com o meu filho,
Dou rédea ao sentimento e o som que sai
Me faz escaramuçar o coração no peito...
Pois ouço, de mim mesmo, a voz do pai!